GRILA's Archives
Declaração do Grupo de Pesquisa e Iniciativa pela Libertação da África (GRILA) com relação à situação da África no Dia da Libertação Africana, 25 de Maio de 2011 (Portuguese)
Declaração do  Grupo de Pesquisa e Iniciativa pela Libertação da África (GRILA) com relação à situação da África no Dia da Libertação Africana, 25 de Maio de 2011 (Portuguese)
Declaração do

Grupo de Pesquisa e Iniciativa pela Libertação da África (GRILA) com relação à situação da África no Dia da Libertação Africana, 25 de Maio de 2011


Desde o começo do ano, inúmeros eventos ocorreram em África dentro de um determinado contexto mundial. A África tem sofrido longamente uma desfavorável integração no sistema global. Nas últimas décadas, o continente sofreu o arruinamento pelas medidas austeras neoliberais, a pilhagem dos seus recursos e a lógica da privatização da guerra. Hoje, mais do que nunca, a África se encontra em uma encruzilhada, com a falência do modelo neoliberal, a crise do capitalismo e o colapso do modelo do crescimento neocolonial.

Estados da pós-independência, os países africanos têm presidido à crise das últimas décadas com uma soberania em declínio constante, induzida pela globalização. O modelo “comprador” de países como Costa do Marfim, Tunísia, Egito e Burkina Faso, citados a seguir, estão em declínio e nas unhas de mascateagem sem escrúpulos. As autocracias locais, incentivadas pelo enriquecimento ultrajante e o reino da arbitrariedade e impunidade, respondem com repressão às demandas legítimas e, de modo crescente, desesperadas do seu povo.

Na Tunísia, a resistência contra o regime de Ben Ali nos últimos 20 anos foi corajosamente liderada por inúmeras figuras da oposição que foram forçadas a trabalhar clandestinamente, no exílio, em demissão e sob repressão. GRILA apoiou os seus esforços. Com as tentativas do regime do Ben Ali de perpetuar-se no poder, dissidentes trabalharam para fomentar a revolta do cidadão e do trabalhador. O sacrifício de Mohamed Bouazizi desencadeou um despertar popular, particularmente entre a juventude para quem, a despeito da repressão, varreu a elite do poder. Houve um efeito dominó imediato pelo Magreb e o oriente-médio árabe, à medida que manifestantes lançaram suas demandas democráticas e rejeitaram regimes impopulares e ilegítimos subservientes à ordem dominante. A Tunísia ressuscitou numa escala continental o imperativo revolucionário das lutas anti-revolucionárias de antes, que foram impedidas pelo imperialismo. O desafio da Tunísia agora é concretizar essas aspirações populares, para conduzir uma auditoria do débito e para recuperar fundos desviados. Acima de tudo, o desafio vai ser prevenir forças reacionárias ou conservadoras, aliadas a atores externos, de impedir ou usurpar o processo democrático com argumentos sobre a redução da dívida, renovação do crescimento econômico, a promoção do investimento externo, cumprimento dos prazos eleitorais, ou jogando o seu papel na “guerra contra o terrorismo”.

No Egito, a pressão popular – simbolizada por Tahrir Square – dirigida, a despeito da brutal repressão, para derrotar um regime autocrata e enfraquecido que serviu de caso exemplar para o neoliberalismo sob programas de ajuste estrutural. Sua legitimidade nacionalista histórica por muito tempo se desintegrou e sobreviveu graças à tábua de salvação do imperialismo; sua importância estratégica e suas ramificações de extorsão e poder militar e policial; e a integração de tendências islâmicas conservadoras na esfera social enquanto importando a retórica sobre segurança e antiterrorismo. O desejo do antigo regime de se manter atado ao poder persiste, a despeito dos esforços na direção de uma transição popular que, em si, é grandemente controlada por militares. A luta contra a impunidade e um judiciário mais independente poderia servir como avalistas de uma transição democrática a despeito das pressões das forças conservadoras e extremistas. O êxito do referendo constitucional do dia 19 de Março e os procedimentos legais contra os apoiadores do regime abriram um espaço para uma mudança revolucionária. O risco, entretanto, permanece de que isto pudesse ser comprometido pela orla reacionária – burguesia e campesinato rico, desafios culturalistas e tensões religiosas.

Essas convulsões políticas e sociais têm, em todos os lugares, promovido uma esperança nova pelos direitos e liberdades políticas, em particular na Argélia, Marrocos e no Saara Ocidental. O Jamahiriya Líbia, um país atípico na sub-região, muito tempo resistiu à ordem dominante quanto às questões de soberania e, apesar de seu governo repressivo autocrático, experiencou a redistribuição social da riqueza do petróleo. No entanto, a abertura e a liberalização frenética da economia na última década, sob os ditames de antiterrorismo e segurança, e o controle dos fluxos migratórios para a Europa, trouxe um fim abrupto a essa experiência populista e levou a uma mudança para a corrupção e extorsão dentro do círculo próximo da liderança. Enquanto Kadhafi financiou um projeto voluntarista Panafricano – uma tentativa louvável embora auto-interessada -, ele negligenciou certas regiões inquietas em seu próprio país, que se aproveitaram da primavera regional revolucionária para sublevar-se contra ele. O imperialismo instrumentalizou essas demandas legítimas para a liberdade política, que levaram à divisão do país e da guerra civil. A França, que tinha oferecido a sua experiência para acabar com a revolução da Tunísia, escolheu por liderar uma força punitiva contra o regime líbio. A Resolução 1973 foi baseada no imperativo de proteger as populações civis, mas nenhuma investigação séria encontrou qualquer evidência para apoiar as reivindicações dos abusos generalizados. Na verdade, a resolução foi uma manobra para permitir a OTAN a derrubar o regime Jamahiriya apesar do fato de que a ONU, que teve uma agenda ambígua na África desde o seu papel em Lumumba (Congo) - proíbe a intervenção nos assuntos internos de um país, senão forem ameaçadas a paz e segurança internacional (Carta da ONU, artigo 2 (7).



Um duplo padrão está obviamente em andamento nisso. Nunca foi sequer realizada qualquer conversa de uma zona de exclusão aérea a fim de resgatar os milhões de civis que morreram durante a última década da pilhagem e da guerra na República Democrática do Congo. Deixando de lado a cortina de fumaça do humanitarianismo, o que está ocorrendo na Líbia, hoje, é uma tentativa obstinada pela ordem dominante para afirmar seu controle sobre o petróleo da Líbia, e de apreender mais de US$ 96 mil milhões em fundos soberanos - não da fortuna de Kadhafi, mas sim do dinheiro que é mantido no Fundo Investimentos da Líbia - investidos em várias multinacionais europeias e estadunidenses, bem como o investimento e a integração de projetos (incluindo os da África, totalizando US$ 6 bilhões).



O apoio ocidental para a insurreição liderada pelo Conselho Nacional de Transição da Líbia, que em si tem links para serviços de inteligência estrangeiros que têm uma longa história de apoio a regimes repressivos africanos, está ameaçando legítimas demandas populares pela democratização da sociedade da Líbia. Os insurgentes estarão em débito com seus patrocinadores imperialistas. Dada a luxúria o lobby de petróleo por vastas reservas de petróleo da Líbia, panafricanistas devem ser alertados para os riscos de implosão no país.


A Costa do Marfim é outro exemplo claro da instrumentalização da ordem multilateral. Nos últimos 20 anos, este país passou por uma desestruturação profunda do seu modelo de plantação neocolonial e clientelista pelo Banco Mundial e os programas de ajuste estrutural do FMI. A incapacidade do regime Boigny-Bédié para reproduzir o modelo, o interlúdio de Guei e sua instrumentalização do conceito de marfinismo, apoiado durante a eleição da Frente Popular Marfinense (FPM), abriu uma caixa de Pandora. Enquanto o modelo FPM de reforma radical procurou romper com o modelo neo-colonial e de dependência do liberalismo autoritário forjado por Houphouët Boigny, ele caiu na armadilha do nacionalismo exclusivo com a sua incapacidade de se distanciar do marfinismo. Os partidários de Françafrique, em conluio com o regime de Compaoré do Burkina Faso, utilizando a marfinismo como pretexto para combater a reforma radical da FPM, embarcou em uma campanha para desestabilizar o país em 2002. Isto impediu o regime Laurent Gbagbo da implementação de seus planos para alcançar a verdadeira soberania e redistribuição. O FPM foi forçado à coabitação com os rebeldes e os interesses econômicos externos e, posteriormente, a eleições, apesar de os perpetradores da violência nunca serem desarmados. O resultado disputado das eleições deveria ter conduzido a uma recontagem ou novas eleições. Em vez disso, a ONU tomou partido na disputa, enquanto ambas as partes, ao contrário do sistema eleitoral e constitucional, impôs seus próprios líderes como presidente. As tensões continuaram a aumentar, assim como os abusos cometidos por ambos os lados. No meio deste caos, a maioria dos regimes “compradores” africanos alinharam-se de acordo com os desejos da ordem mundial, em favor da Resolução 1975 e do estrangulamento econômico do país.



O caso sudanês é instrutivo com respeito ao perigo da implosão que vem junto da divisão. Bem antes de Darfur ter feito manchetes, Sudão foi destruido por mais de 20 anos pela guerra civil entre o governo sudanês e o Movimento de Libertação do Povo Sudanês/ Exército (MLPS/E), até a assinatura do Acordo de Paz Compreensiva em Janeiro de 2005.



As negociações de Naivasha, entretanto, onde a APC foi assinada, foram realizadas por uma campanha mobilizadora, particularmente nos Estados Unidos, com o apoio de organizações da sociedade civil européias. Enquanto isso não tira nada do resultado democrático e unânime do referendo entre a população do Sudão Sul, que, legitimamente, almejou outra opção nacional, o caminho no qual este conflito e o conflito de Darfur foram colocados na agenda internacional demonstra claramente a instrumentalização dos conflitos sudaneses pelo “lobby do petróleo”, paralelamente aos movimentos evangélicos Zionistas e Americanos.



A cobertura da mídia, que ignorou largamente a natureza política profunda dos conflitos, pintou um retrato unilateral e simplista. Entretanto, a beligerância em Abyei é causa de profunda preocupação, assim como o são os pedidos à chamada “comunidade internacional” para restaurar a paz. Esses pedidos contrastam fortemente com a sua reação ao destino sangrento dos povos da República Democrática do Congo e com os repetidos adiamentos, desde 1994, do referendo por autodeterminação no Saara Ocidental. No Sudão, assim como no restante do continente, as evidências sugerem que as verdadeiras questões em jogo são o apetite por petróleo e o crescimento da competição chinesa.


O ano de 2011 tem sido marcado por outros eventos. Em Burkina Fasso, o regime “comprador” de Blaise Compaore, ainda procurado pela Justiça Internacional pela Campanha Sankara, foi abalado por uma ampla onda de revolta social sem precedentes. Por enquanto, repressão e compadrio têm extinguido a pressão popular. No Chade, o atual regime foi levado ao poder por meio de eleições fraudulentas, sem qualquer criticidade lançada sobre os interesses superiores do petróleo. Enquanto isso, a transição democrática no Níger é causa de otimismo, mas persiste o monopólio francês sobre as riquezas do urânio do país. Os mesmos desafios existem na Nigéria, onde uma distribuição mais equitativa da riqueza do petróleo ainda é ilusória. No Benin, as denúncias de fraude feitas pela oposição são receptadas pelo vazio. O continente está se preparando para uma série de eleições controversas, em um contexto de elevada extração de recursos e crescente produtividade, mas de ausência de qualquer redistribuição social equitativa.


As situações descritas acima são apenas uma parte das agitações que tem marcado o continente. Vendo tudo isso, GRILA:


- Exorta a União Africana, neste solene dia 25 de maio, a parar de ser um sindicato de chefes de Estado e assumir suas responsabilidades, a tomar um papel claro de liderança nos assuntos de soberania e na total liberação do continente em todos os temas fundamentais (pilhagem de recursos, grilagem de terras, libertação de Chagos e de Mayotte, referendo no Saara Ocidental, integração continental efetiva, etc.).



- Exorta os povos da África e de sua diáspora a continuar com a resistência, tanto local quanto globalmente, e a unir-se com base no internacionalismo e no pan-africanismo, a despeito de quaisquer diferenças presumidas. Ela exorta a se pôr fim aos ataques xenófobos contra africanos de outros países, não só na Costa do Marfim, mas na África do Sul, na Líbia e em muitos outros países onde esses ataques são levados a cabo em um contexto de crise econômica e em nome da intolerância nacionalista. O imperialismo abana as chamas dessas formas de exclusão e cabe a nós colocarmos um fim a isso.



- Condena o papel da “comunidade internacional” na Líbia e na Costa do Marfim.



- Denuncia a instrumentalização de organismos multilaterais e os papéis das novas formas de regulamentação hegemônica, como o G20 e OTAN. Oferece suporte a esforços democráticos para a reforma da ONU, Conselho de Segurança e Instituições de Bretton-Woods.



- Denuncia as tentativas de estabelecer a AFRICOM e empresas mercenárias no continente Africano e também tentativas de subordinação dos nossos exércitos nacionais às grandes potências, sob o falso pretexto de logística e treinamento. Demanda o desmantelamento das bases Americanas e Francesas no continente (incluindo os seus componentes no Oceano Índico).



- Solicita às forças do processo revolucionário da Tunísia, que na sua corrida ao estabelecimento de uma Assembléia Constituinte e Eleições, prestem especial atenção ao cancelamento de dívidas ilegítimas; conduzam auditorias para o reembolso de riquezas obtidas ilegalmente; terminem com a impunidade através do desmantelamento das estruturas repressivas do Ministério do Interior e das redes mafiosas; e que tenham especial cuidado em evitar cair nas tutelas do Banco Mundial e do FMI.



- Encoraja o povo Egípcio a mostrar sabedoria ao concluir a luta contra a impunidade e prevenir que forças religiosas conservadoras guiem o processo revolucionário. O exército nacional deve propiciar às pessoas e seus representantes o espaço que eles precisam para completar a revolução.



- Demanda o cessar-fogo, a retirada da OTAN e de outros mercenários da Líbia e a formação de um governo de salvamento nacional, que garanta a transição para reconstrução e democratização popular. Recomenda uma distinção transparente entre os recursos nacionais investidos no exterior e a riqueza da família Khadafi, a qual deve ser rigorosamente auditada.



- Demanda transparência e respeito à soberania nacional no gerenciamento e exploração do petróleo. Demanda que nenhuma base estrangeira seja estabelecida como resultado desse conflito.



- Demanda o fim dos abusos e vingança na Costa do Marfim, a liberação do Presidente Laurent Gbagbo; e a criação de uma comissão de inquérito Africana, imparcial, para investigação dos abusos cometidos por todas as partes envolvidas. Recomenda um governo de união nacional que reflita um equilíbrio de forças no país. Denuncia o papel da FrançAfrique e dos lobistas da indústria do petróleo e do chocolate na recuperação econômica da Costa do Marfim. - Demanda que os líderes africanos e a União Africana apliquem, de uma vez, um plano de integração continental que substitua o NEPAD, e uma política proativa que substitua o voluntarismo Líbio, através da criação de um fundo continental para o financiamento de projetos no continente (exército continental, infra-estrutura, moeda, etc).



- Encoraja o desenvolvimento de redes, através da utilização de mídias sociais/cidadãs e recomenda maior vigilância sobre slogans estrangeiros que imponham controle sobre as nossas lutas, reorientando-as para fins que não são os nossos.



- Demanda que todas as forças de boa vontade apóiem, de todas as maneiras, o movimento popular do Magrebe, e absorvam inspiração desse movimento para a politização democrática de nossas massas.



- Advoga pela mudança da visão consumista e alienadora de mundo que afeta a nossa juventude, para que seja substituída por relações de solidariedade que promovam a construção nacional e panafricana, baseada no auto-centrismo, progressismo, não-sexismo e num desenvolvimendo sustentável ecológico.

(translation by Liliane Braga && Wangui Kimari)